Quando se fala em inovação, se fala em novos comportamentos, mudanças estruturais, lideranças criativas, uma lista de soft skills e habilidades do futuro a serem desenvolvidas por uma toda equipe.
Mas, antes de fazer qualquer tipo de transformação cultural em uma empresa, CEOs, executivos e colaboradores precisam aprender a entender contextos, culturas e os objetivos que permeiam o negócio em que estão inseridos. Só assim poderão decidir com mais assertividade, se a empresa deve prezar pela inovação ou se é melhor apenas desenvolver processos e regras de forma segura e deixar que a inovação aconteça de fora pra dentro.
Lembrando que as empresas criativas necessitam criar novos produtos e serviços constantemente para que continuem sendo relevantes, o que não vale necessariamente para diversas outras indústrias, que focam mais na qualidade, segurança e fabricação de produtos idênticos, do que qualquer outra coisa.
No livro “A regra é não ter regras, a Netflix e a cultura da reinvenção” (Ed. Intrínseca), de Erin Meyer e Reed Hastings, os autores deixam bem claro que antes de implementar qualquer nova cultura criativa na empresa é preciso ter contextos bem estruturados. Ou seja, é necessário que se compreenda os impactos de cada decisão, diante da variedade de possibilidades, para que a liberdade venha com responsabilidade e o resultado de qualquer mudança não seja desastroso.
Se para ter inovação, é preciso ter liberdade, será que todos estão preparados para isso?
Feedback é um presente?
As opções de transformações culturais criativas em prol da inovação sugeridas pela Netflix variam entre ter uma maior dedicação na contratação e retenção dos melhores talentos para sua empresa, entender e trabalhar a tão complexa cultura do feedback e da sinceridade, fazer a remoção de controles e burocracias que impedem a inovação, aprender a lidar com a gestão da autonomia, entre outras.
Neste artigo vou me aprofundar em um ponto que considero aplicável a qualquer tipo de indústria, e não só as criativas, e também porque tenho experiência com esse tipo de abordagem na prática.
É um presente, talvez, para aqueles que sabem dar ou receber, não é mesmo? Pois, pra muita gente o melhor é se calar. Ainda mais em culturas que pautam a confiança na base de seus relacionamentos mais do que nas capacidades do indivíduo na execução de uma tarefa, como é o caso do Brasil e Japão, segundo pesquisa da Netflix publicada no livro, baseada nas escalas do The Culture Map, criado por Erin.
Além disso, após vivenciar a cultura do feedback em um curso de quatro meses que fiz, em 2019, sobre Liderança Criativa na Escola Polifonia, e passar por diversas dinâmicas de como dar o melhor feedback ao outro, trazer pontos a melhorar, assim como aprender a receber o que se pode melhorar, vivi na pele a dificuldade e os prazeres dessa sinceridade em grupo.
Se na vida corporativa em geral, dar feedbacks sinceros é algo delicado e difícil, imagine em culturas que não estão acostumadas a fazer isso de forma transparente e encorajadora. A ideia do feedback nada tem a ver com ato de elogiar ou criticar. Tem a ver em mostrar, a partir do comportamento do outro, como a atitude dele está sendo uma barreira para sua própria evolução, a do projeto, do time e da empresa, de forma a ajudá-lo a ser um profissional melhor ainda, e não em criticá-lo com ofensas, mentalidades de competição ou inveja explícita.
Por isso a Netflix trabalha constantemente para evoluir mais rápido com seu time e sua empresa na prática do feedback, assim como se preocupa em abordar esse valor (a sinceridade) de forma diferente em cada um de seus escritórios espalhados pelo mundo. Durante sua expansão para fora dos EUA e trabalhando com culturas tão distintas, viu que a ideia se tornou um grande problema para a empresa no que se refere ao engajamento e ao efeito positivo. E é por isso que o The Culture Map foi acionado.
Como aplicar a Cultura da Sinceridade
O Brasil entra nesse perfil “problemático” em relação a cultura norte-americana. Aqui, junta-se o hábito de não ser sincero em prol da segurança e da boa vizinhança no ambiente de trabalho, a uma cultura onde a confiança é baseada no relacionamento com o outro, e não nas tarefas que o mesmo executa, como mostra o gráfico abaixo:
Ou seja, a famosa camaradagem pode ser um problema quando temos que dar um feedback sincero para o amigo/colega de um departamento, quando ambos não aprenderam a dar e receber o feedback sincero neste ambiente — ou até mesmo na vida. O jeito prático da Netflix para se treinar isso é o de aplicar o passo a passo seguinte:
Passo a passo da Netflix para dar e receber feedback
1.Alvo a alcançar: com quem você deseja falar diretamente para dar o feedback?
2.Ação específica: fale apenas sobre uma atitude pontual de melhoria que notou em uma situação específica, nunca misture diversas situações acumuladas em uma conversa de uma vez só, por isso a importância de falar o quanto antes.
3.Agradecer: agradeça sempre que receber um feedback.
4.Aceitar ou descartar: reflita, e então aceite ou descarte o feedback.
5.Adaptar: quando necessário, procure adaptar a forma de dar o feedback. Cada cultura é de um jeito e, se não for considerada a cultura do outro, o efeito pode ser negativo e não vai ajudar ninguém, o que não é o objetivo.