É possível desenvolver uma inovação e crescer no curto prazo?
No conflito inerente entre o pensamento de curto e longo prazo, existe o debate sobre a capacidade de manter uma engrenagem de inovação
A analogia das promessas da virada de ano traz à tona um debate relevante sobre a capacidade de manter uma engrenagem de inovação: o conflito inerente entre os pensamentos de curto e de longo prazo.
Quem nunca prometeu iniciar o ano de forma mais equilibrada e saudável, ou jurou tomar coragem para tirar o projeto dos sonhos do papel que atire a primeira pedra. O nosso sistema de defesa está equipado com emoções que privilegiam ganhos ou prazeres de curto prazo, em detrimento a recompensas e conquistas futuras. O pesquisador em psicologia social da Northeastern University, David DeSteno, defende que, muito além da força de vontade, emoções como gratidão, compaixão e orgulho são antídotos contra o pensamento de curto prazo.
Frequentemente, após uma empresa se tornar pública via IPO (Initial Public Offering), ou mesmo atrair investidores externos, seus fundadores não estão mais em total controle das decisões de crescimento no longo prazo e a pressão por resultados trimestrais passa a estar no centro da estratégia.
Um estudo sobre o Impacto Econômico do Imediatismo publicado em 2017 pelo McKinsey Global Institute revelou que 87% dos executivos já experimentaram pressão exacerbada para entregar resultados financeiros no período de dois anos. E 65% afirmam que o pensamento em curto prazo vem aumentando nos últimos cinco anos e 55% dos entrevistados disseram que atrasariam um novo projeto para atingir uma meta trimestral, mesmo que isso significasse sacrificar valor de mercado da companhia.
Pressão dos investidores
Apesar de não haver consenso entre estudiosos, muitos analistas econômicos afirmam que o imediatismo é prejudicial aos negócios, ao ambiente e à sociedade. Os argumentos são tanto factuais–baseados nas crises americana de 2008-2009 e no lendário escândalo da americana Enron Corporation–, quanto comportamentais, uma vez que o foco irrestrito no curto prazo estimula práticas não saudáveis que podem, nos piores casos, impulsionar até mesmo decisões criminosas dos pontos de vista econômico e contábil-fiscal.
Porém, antes de condenar o foco no hoje, é preciso afirmar que não há nada de errado no pensamento a curto prazo em si. Como explica Mike Useem, professor de administração da Wharton School of Business, os problemas surgem quando a pressão dos investidores prejudica as empresas em direção a um retorno rápido.
“Se você for pressionado a renunciar ao investimento a longo prazo, poderá ficar bem pelos próximos dois anos, mas daqui a cinco ou dez anos você terá problemas. Essa é a desvantagem do curto prazo. Mudança a longo prazo é parte integrante do que significa crescer”
Mike Useem, professor de administração da Wharton School of Business
Não podemos confundir valor de mercado ou o ‘valuation’ de uma startup com valor tangível, ou subestimar os desafios de governança e gestão que possam existir (vide desdobramentos recentes do caso WeWork). Porém, também não é possível adotar uma postura ingênua ou inflexível frente à necessidade de rentabilizar no momento presente e estimular o crescimento.
Nesse sentido, surge a pergunta de um milhão de dólares (ou de um milhão de bitcoins): é possível inovar e criar uma engrenagem de crescimento em meio à majoritária pressão de curto prazo? Aparentemente a resposta é sim, mas dentro de certo limite.
Horizontes da inovação
O clássico framework McKinsey dos Três Horizontes do Crescimento, articulado pela primeira vez em 2000 por Baghai, Coley, e White no livro “A Alquimia do Crescimento”, foi o primeiro modelo a trazer insights de como desenvolver uma estratégia de inovação ambidestra que equilibre as tensões–curto vs. longo prazo–e criação de valor (investimento) vs. captura de valor (apuração de resultados).
Em resumo, a proposta do modelo é que empresas aloquem suas inovações em três horizontes. O primeiro visa fortalecer e expandir o core business com foco em maximização do lucro através da excelência na execução. O segundo horizonte é onde oportunidades como novos produtos, serviços e mercados são explorados. Em ambos, os esforços resultam geralmente em inovações incrementais. Já o terceiro horizonte é o espaço de experimentação, de ideias visionárias e investimentos com alto risco e alto potencial de disrupção. A ideia central é que empresas foquem na execução de seus modelos de negócio, enquanto simultaneamente criam novas possibilidades.
Apesar de ainda ser útil como forma de visualização dos recursos necessários e para a priorização de decisões gerenciais, quase vinte anos depois da consagração do modelo, o tempo dos “ciclos” de inovação disruptivas do horizonte três se aceleraram exponencialmente. A
lém disso, a disrupção pode também facilmente ocorrer nos horizontes um ou dois impulsionados por novas tecnologias. Tanto a velocidade da inovação quanto a capacidade de planejar no longo prazo estão sendo constantemente atualizadas.
“Inovações recentes em inteligência artificial e coleta de dados significam que as empresas podem planejar não apenas em meses e anos, mas em gerações. Os limites da imaginação humana foram superados pelo aprendizado de máquina, capaz de fazer conexões e identificar tendências além das capacidades dos pesquisadores humanos”
Chris Ganje, CEO da empresa de tecnologia Amplyfi
Uma nova década de ações
Pensando na lista de promessa da virada de ano, seja em nosso desenvolvimento pessoal ou na estratégia de inovação que iremos adotar, a resposta para navegar a complexidade parece estar na busca por equilíbrio entre o hoje e o amanhã, a exploração de velhas certezas e a experimentação de novas possibilidades.
Modelos, mapas e tecnologias guiam e impulsionam a jornada, mas as maiores chances de sucesso surgem quando há respeito às verdadeiras habilidades, virtudes e essência que nos diferenciam e orgulham, às conquistas que nos realizam e nos tornam gratos e às responsabilidades que nos exigem compaixão. Em se tratando de pessoas físicas ou pessoas jurídicas.
Uma nova década merece uma nova lista de intenções. Que seja farta de ações, não mais promessas.
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