Coluna: Um olhar sobre disrupção e ética
No campo empresarial há a necessidade de se debater premissas éticas, como facilitadoras do processo de criação de valor
Enquanto o mundo aguarda com expectativa o resultado das eleições norte-americanas, releio algumas anotações num diário pessoal escrito em novembro de 2016. Eu estava nos Estados Unidos com um grupo internacional de executivos quando Donald Trump foi eleito.
Ideologias políticas à parte, o sentimento de divisão (de todas as ordens) tornava o ambiente pesado. Democratas pálidos e com olhares perdidos em extrema desesperança. Republicanos vidrados numa celebração visceral. A divisão emocional acirrada, desumana e desumanizante me causou profundo desconforto.
Escrevi no meu diário: “Mocinhos e vilões…Mais um ciclo maniqueísta entre o Bem e o Mal. Talvez seja apenas a minha inexperiência política, mas me pergunto: serão as instituições democráticas fortes o bastante para acalmar as emoções, promover o diálogo e estabelecer premissas éticas de governabilidade?”
Avançando para 2020 sabemos que a polarização, acentuada por batalhas midiáticas, social bots e confronto de narrativas, apenas se acentuou. Não somente nos Estados Unidos, mas globalmente.
Causa e efeito da disrupção
Assim como na esfera política, no campo empresarial há a necessidade de se debater premissas éticas. WeWork, Theranos, Uber, Facebook, Google — a lista de empresas (especialmente de tecnologia) que têm estado atoladas em transgressões éticas continua a crescer, uma tendência que se torna mais preocupante dado o nível de influência social dessa indústria.
É fato que empreendedorismo e disrupção são, em certa medida, campos de distorção da realidade. Para se alcançar o sucesso é preciso acreditar que é possível mudar a realidade vigente.
Não há disrupção sem que algumas regras sejam quebradas e novas lentes utilizadas para enxergar o modo como o mundo opera. Uma nova tecnologia substituindo a outra, um modelo de negócio que substitui determinados tipos de trabalho ao mesmo tempo que cria oportunidades, ou outros tipos de implicações sociais e ambientais.
“Porém, a questão central que se impõe para startups e ecossistemas é sobre compreender as consequências e assumir as responsabilidades de causa e efeito de uma respectiva inovação ou solução.”
Um facilitador da criação de valor
Como destaca Jon Fjeld, professor de empreendedorismo e inovação da Duke University: “É importante que os benefícios do pensamento ético sejam destacados. Se apresentado como um conjunto de restrições, tem menos chance de influenciar comportamentos. Teremos mais impacto se pudermos apresentar a ética como um facilitador da criação de valor. Um modelo para a tomada de decisão ética deve incluir perguntas como: Quem é seu cliente-alvo? Quem poderia ser afetado pela ideia de negócio que você tem em mente? Quais são as consequências para quais grupos de constituintes? As consequências são boas ou ruins? Você está feliz com elas? Até mesmo questões de responsabilidade ambiental e risco financeiro podem ser levantadas por meio desta estrutura.”
Sabemos que inovação também pressupõe riscos possivelmente não mapeados ou fora de controle. Porém, está nas mãos do empreendedor ser extremamente honesto em relação as suas hipóteses. Desse modo, investidores, equipes, early adopters e demais stakeholders tomarão o risco de forma consciente e as decisões críticas sobre velocidade de escala, necessidades de investimento, entre outras, serão realizadas num contexto de propósito genuíno.
Disrupção ética e tecnologia responsável são prioritariamente sobre resolver problemas que tocam os empreendedores — de acordo com seus valores e princípios —, ao mesmo tempo que criam valor para os outros.
O artigo se encerra por aqui e ainda não há resultados definitivos sobre as eleições norte-americanas. Porém, não se trata de mocinhos ou vilões. O desafio está geralmente em promessas demasiadas e não realizadas, ou nas meias-verdades, tanto na política quanto no mundo da inovação.
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